CAPÍTULO 5 - O CONCEITO DE PROSPERIDADE

 

Farhad Sabetan

 

Este artigo é uma tentativa para apresentar diferentes conceitos de prosperidade que constituiram as bases para o pensamento político-econômico e para identificar as forças e insuficiências de cada um em termos de estrutura teórica e de aplicabilidade prática.

 

1. Prosperidade como Riqueza

Prosperidade como riqueza retorna pelo menos até Adam Smith. Smith considerava a acumulação de riqueza ajuntada como sendo a causa da prosperidade econômica de uma população, especialmente se ela é deixada à sua própria operação natural, sem interferência do governo. Desta maneira, uma economia de desenvolvimento espontâneo cresceu como uma reação às restrições mercantilistas sobre o comércio e combinado com a crença Calvinista popular de que a riqueza era um sinal de destinação divina para a salvação religiosa, estimulava a produção de bens necessários e de itens de luxo para uma proporção cada vez maior da população européia.

Será que algum rendimento acumulado traz felicidade e prosperidade? Será que podemos definir a prosperidade de uma população em termos de riqueza acumulada desta população? Será que a busca da felicidade e a busca da riqueza se ajustam aos mesmos conceitos? Pode a riqueza ser nada mais do que um meio de alcançar felicidade? E as respostas a estas perguntas seriam as mesmas, se elas forem consideradas em relação a indivíduos ou à população em geral?

Resultados de uma experiência demonstram que no nível individual a felicidade maior está intimamente relacionada a um rendimento mais elevado. Os fatores que contribuem para a felicidade, considerados em ordem de importância, foram a economia, a saúde, a família, os valores pessoais e a condição do mundo, valores sociais e assuntos políticos.

Os conceitos de felicidade usados nesta pesquisa eram totalmente subjetivos e se perguntou aos entrevistados o que para eles significava a felicidade. A resposta foi descrita em termos instrumentais, o que quer dizer que mais dinheiro significa mais bens, o que significa que dispomos de mais benefícios materiais para a vida. Os entrevistados não identificaram a riqueza com felicidade e prosperidade em geral. Ao fazer tal generalização seria supor que nenhum rico poderia ser infeliz e nenhuma pessoa pobre poderia experimentar alguma felicidade.

No nível de conjunto, entretanto, o relacionamento entre riqueza e prosperidade não é tão pronunciado como no nível individual. Tal como foi declarado acima, os clássicos economistas aceitavam que mais riqueza ou um aumento constante de rendimento coletivo de um país conduz a um maior bem-estar e a uma sociedade mais feliz.

 

2. A Perspectiva Utilitária

Uma grande parte da economia de beneficência é orientada pela visão utilitária da prosperidade, uma visão que dominou as bases da teoria econômica não-clássica e os debates sobre filosofia moral. Nos fundamentos de sua estrutura, o utilitarismo encara um indivíduo como a expressão da utilidade, da satisfação, do prazer, da felicidade ou do desejo de realização. Quando se chega a uma ação, seja ao consumo de um certo bem, a uma contribuição à caridade, à votação em algum candidato, se a gente vai ter filhos e, em caso afirmativo, quantos. Se isto aumenta a felicidade e a satisfação e, numa só palavra, a utilidade. Em sua essência, a utilidade se torna a medida da realização do nosso desejo, o denominador comum de tudo que queremos. A perspectiva utilitária parece ser muito persuasiva na definição da prosperidade da humanidade. Afinal, como é que se poderia considerar próspera uma sociedade se os membros de tal sociedade não estão felizes ou não têm os seus desejos atendidos dentro de uma perspectiva utilitária? Utilitarismo não pode prover uma base consistente e coerente para a prosperidade. É possível que certos indivíduos possam preferir alguma soma de dor ou de miséria no seu caminho para metas mais elevadas, alguma coisa de valor que está acima e além de prazeres e desejos imediatos. Há muitos exemplos de sofrimentos pessoais na luta por algum objetivo mais alto: o estudante que passa noites em claro no seu esforço para fazer um exame crítico; o pesquisador, o artista, o atleta, todos eles renunciando a um prazer passageiro e um conforto para conquistar uma meta duradoura.

Uma pessoa pode aumentar sua utilidade geral ao suportar uma inutilidade transitória e trocá-la assim por uma prosperidade global mais definitiva.

O utilitarismo não oferece um mecanismo pelo qual nós possamos estabelecer uma diferença entre o conjunto de ações que conduzem à prosperidade e aqueles que não conduzem. Se nós aderimos à paz, é porque ela promove o bem-estar social. Se declaramos alguma guerra, isto também possivelmente acontece, porque com guerra chegamos a uma maior utilidade para preservar a nossa segurança nacional, do que com negociações ou alguma rendição ao oponente. Neste cenário, qualquer ação é potencialmente justificável quando se baseia no aumento de utilidade para as partes envolvidas.

3. O Conceito de Prosperidade Duradoura

Como ponto de partida é necessário que uma visão de prosperidade global tenha fundamentado no seu âmago o conceito de unidade. O conceito de unidade pode ser considerado como o alicerce da existência, dentro da qual todos os elementos participantes precisam estar combinados em determinadas proporções para justificar a sua existência.

A condição de "ser" depende do conceito de unidade: por um lado, para poder "ser", os diversos elementos precisam estar unidos em específicos graus de proporcionalidade. Por outro lado, a condição de "bem-estar" é mais do que apenas "ser". Isto requer que se adicione à condição de "ser" as condições de estabilidade. O bem-estar requer não somente a satisfação de necessidades básicas, mas também certas condições ambientais e internas que promovam para a vida uma relativa permanência e que a tornem sustentável e sólida. Estas condições ambientais incluem, entre outras coisas, o grau pelo qual os indivíduos podem participar na determinação do seu próprio destino, seu acesso ao conhecimento, sua adoção de ideais e o prazer da liberdade para conquistar estes ideais. As condições internas incluem a disposição interna de entidades individuais de adotar e perseguir os ideais e participar ativamente na promoção, na manutenção e na estabilidade do sistema ideal. Estas condições são designadas como educação. Estas condições podem ser resumidas como sendo "as relações necessárias que provêm da realidade das coisas". Especificamente, a natureza e a qualidade da relação entre entidades individuais definem a estabilidade que se requer para estabelecer a unidade.

É a natureza e a qualidade das relações que nitidamente diferencia este conceito do utilitarismo. Partindo de uma perspectiva utilitária, o indivíduo (seja como consumidor pela teoria do consumo ou um produto pela teoria de produção) presumivelmente tem desejos ilimitados e age egoisticamente para satisfazer estes desejos. Entende-se como desejo qualquer coisa que aumenta a utilidade. A motivação pelo interesse próprio que está por trás da atividade humana é a ativa aceitação pela qual se supõe que o bem-estar de todos deve ser assegurado. Consumidores e produtores chegam ao mercado e se empenham em um "relacionamento de troca", não porque amam um ao outro ou porque querem servir um ao outro, nem porque querem criar harmonia, estabilidade ou solidariedade, mas pela razão pura e simples de que o consumidor deseja uma coisa que o produtor tem e o produtor quer uma coisa que o consumidor tem. Nenhum deles se preocupa com o que o outro vai fazer com as coisas que estão sendo trocadas. Desde que conseguiram o que desejavam (presumivelmente a um preço menor ao que estavam dispostos a pagar) sem que tenha havido coerção, em que ambas as partes estão satisfeitas e assim a sociedade está melhor servida (especificamente se este tipo de relacionamento de troca é permitido para operar livre e extensamente).

O interesse egoísta é a antítese do conceito de unidade e, portanto, do bem-estar. A integração social exige que o contribuinte individual dê a mais elevada prioridade ao processo de integração com a sua disposição de renunciar aos seus interesses próprios em prol dos interesses e da preservação daquele todo que chamamos de sociedade. A integração global exige uma reavaliação das prioridades sociais ao dar o mais alto valor à manutenção do todo.

O assunto fundamental é que as considerações morais e éticas que podem ser aplicadas pelos clientes e pelos produtores no mercado sejam deixadas às duas forças de competitividade e regularização. Baha’u’llah oferece uma terceira alternativa, que é o papel desempenhado pela educação moral, ética e espiritual na promoção e na construção de um ambiente promove o amadurecimento do indivíduo para se tornar menos dependente de competição e com isto administrar o seu comportamento e ficar mais motivado para o conceito de serviço à humanidade. Diferente da inconsistência interna do modo competitivo do interesse próprio, altruismo e cooperação são dois aspectos do mesmo conceito - Unidade. A desprendida cooperação dedicada ao serviço da humanidade como um todo é uma segura garantia não somente para o "estar", mas, mais importante, para o "bem-estar".

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