CAPÍTULO 4 - ECONOMIA E VALORES MORAIS |
ECONOMIA E VALORES MORAIS William S. Hatcher Os tempos modernos são dominados por um sentimento generalizado de que economia e moralidade são intrinsecamente incompatíveis. Moralidade, acredita-se, lida com valores intangíveis. Ela trata daquilo que é mais tipicamente humano, pessoal e emocional a respeito do homem, enquanto que a economia, por sua própria natureza, deshumaniza e despersonaliza. A economia coloca etiquetas de preço (valores tangíveis) em tudo, e considera o indivíduo fundamentalmente como uma unidade de produção e consumo dentro de um amplo sistema impessoal. A moderna "ética de negócios" afirma, efetivamente, que este aspecto impessoal da economia moderna é inevitável. Para produzir a abundância que todos desejamos, diz-se, a taxa de produção deve crescer continuamente. Aquilo que não contribui para aumentar continuamente a produtividade é considerado irrelevante e prejudicial para a economia e, consequentemente, para o bem-estar publico. "O que e bom para a General Motors é bom para todos". Criando, desta forma, uma oposição entre economia e moralidade, entre os valores tangível e intangível, aqueles que defendem este ponto de vista procuram justificar o sistema econômico, eximindo-o de uma vez por todas de controles extrínsecos subjetivos, em favor de considerações "puramente econômicas". Eles não tem nada a temer da aceitação publica da oposição economia-moralidade, pois parece claro que, sendo a natureza humana aquilo que é (ou, melhor, aquilo que eles imaginam ser), as pessoas não hesitariam em escolher valores tangíveis ante os intangíveis. E, no entanto, é agora claro que um considerável numero de pessoas, especialmente entre os membros da atual geração mais jovem, estão desejosos de fazer a escolha oposta. Se a deshumanização é o resultado inevitável do presente sistema econômico, dizem eles, então vamos nos livrar do sistema. A natureza humana, parece, não é tão claramente unanime, no final das contas. Não é nenhum exagero dizer que a guerra esta declarada, e que o resultado final desta oposição não é certo e nem inconseqüente. Pode-se, todavia, questionar a validade da oposição entre valores morais e econômicos. É perfeitamente possível que os valores deshumanizantes associados com nosso moderno sistema econômico preceda o sistema, ao invés de advir dele. Talvez não seja tanto o dinheiro que corrompe mas, sim, que pessoas corruptas estejam usando a riqueza de forma corrupta e para fins corruptos. Talvez, em resumo, nosso sistema econômico seja simplesmente um reflexo externo e concreto de nossa vida interior coletiva, que os enormes recursos da tecnologia moderna permitiram magnificar e projetar em grandes dimensões. Eu não digo que esta hipótese seja tão evidente a ponto de exigir uma aceitação imediata, mas ela é plausível o suficiente para ser digna de uma seria consideração. Algumas coisas ocorrem de imediato para reforçar esta plausibilidade inicial. Por exemplo, nos anos recentes, a comunidade de negócios vem reconhecendo abertamente que valores intangíveis podem afetar severamente a produtividade. Ao invés de levar a uma maior consideração dos empregados como indivíduos, esta constatação deu lugar a um enfoque manipulativo das relações humanas, em uma tentativa de induzir atitudes "corretas". As ciências sociais foram aplicadas para produzir "consideração" instantânea e para exalarem sinceridade, de modo a se assegurar ao indivíduo que se esta genuinamente interessado nele. Assim, mesmo quando se tornou pragmaticamente útil a introdução de valores intangíveis no sistema de produção, escolhiam-se substitutos impessoais, embora estes não fossem necessariamente os mais eficientes. Isto certamente diz algo a respeito de nossa vida interior, nossa estrutura psicológica e nosso caráter moral, independentemente do sistema em si. Considerar-se a economia como primariamente um reflexo de nossa moralidade tem profundas implicações na compreensão da dinâmica de nosso sistema econômico. Uma conseqüência deste enfoque é que não se pode alterar significativamente o sistema econômico sem mudar a moralidade. É, portanto, da maior importância considerar se esta analise é correta. Vamos começar com um "thought experiment" (ou seja, um experimento imaginário). Imagine-se um ponto ideal de começo para nossa historia, no qual existiam apenas indivíduos e nenhuma organização social (Um tal instante inicial certamente nunca existiu, porem milhares de anos atras, quando a consciência do homem estava apenas um pouco acima do nível animal, deve ter havido algo que se aproximasse disto). Neste estagio imaginário de relacionamento, a liberdade do ser humano com relação aos vínculos sociais é total, uma vez que não ha sociedade para impor vínculos. O indivíduo deve produzir tudo o que consome, e ele é o único consumidor de tudo o que produz. O ciclo econômico completo esta fechado no indivíduo. Pode-se dizer, de uma forma geral, que o indivíduo em sociedade esta sujeito a dois tipos de vínculos. Em primeiro lugar existem os vínculos pessoais, impostos pelas necessidades internas do indivíduo, que clamam por satisfação. Estas são parcialmente tangíveis _ a necessidade de alimento, abrigo e outras _ e parcialmente intangíveis. Em segundo lugar vem os vínculos sociais, que são demandas externas, colocadas no indivíduo pela sociedade, no intento de forca-lo a desempenhar um papel nela. Do ponto de vista do indivíduo, toda forma de organização social desenvolvida pelo homem pode ser vista como um compromisso entre estas duas forcas: a necessidade individual de uma certa auto- realização, por um lado, e a necessidade social de ordem e controle do outro. O grau de liberdade de um indivíduo em sociedade pode, portanto, ser decomposto em duas componentes: seu grau de liberdade relativo as necessidades internas e o seu grau de liberdade relativo as necessidades externas, demandas sociais ou vínculos. Na situação ideal que estamos imaginando, o indivíduo é totalmente livre de vínculos sociais, pois não ha sociedade. Ele é, porém, ao mesmo tempo, uma presa para suas necessidades pessoais internas, de fato aquelas mais básicas, as físicas. A segunda componente de sua liberdade é infinita, enquanto que a primeira é nula. Se a doença, fraqueza ou alguma leve calamidade natural impedi-lo de sua atividade por um período muito longo, ele morre. Não é apenas o ciclo econômico de produção e consumo que esta fechado no indivíduo, mas o próprio ciclo da vida. Tendo, agora, adquirido uma idéia do estado econômico de um indivíduo sem sociedade, vamos considerar precisamente o modo pelo qual a organização social realmente contribui para mudar este estado de relacionamento. Nosso estado ideal foi caracterizado por dois fatos básicos: O indivíduo produz tudo o que consome e é o único consumidor daquilo que produz. A única maneira de alterar este padrão é fazer com que outras pessoas produzam algo que o indivíduo consuma ou então que outras pessoas consumam alguma coisa que o indivíduo produz. Como a situação é simétrica com relação a dois ou mais indivíduos, ambas alternativas implicam na mesma coisa, ou seja: na divisão do trabalho. A divisão do trabalho é, portanto, logicamente o primeiro passo em direção a sociedade, ao menos do ponto de vista puramente econômico. Divisão do trabalho é uma ferramenta de organização social que não pressupõe qualquer estagio de tecnologia, embora sua expressão concreta em uma sociedade particular seja obviamente afetada pela tecnologia existente. A divisão do trabalho pressupõe de fato, todavia, certas formas de relacionamento humano. Por exemplo, para que um indivíduo aceite parar de produzir alguns itens de que ele necessita, ele deve confiar em que outros vão produzi-los. De forma semelhante, os outros devem confiar em que ele vá produzir coisas de que eles necessitam. Uma confiança mutua deve existir. Uma confiança mutua é a base da divisão do trabalho e é, portanto, a pedra fundamental da própria sociedade. São valores intangíveis que produzem os tangíveis. Esta confiança mutua tem dois aspectos: É, em primeiro lugar, uma confiança no indivíduo, de que ele vai honestamente procurar cumprir seu dever de produzir a porção de que os outros necessitam e que não estão mais produzindo. É, também, uma confiança na própria organização social, de que ela vai exigir que outros indivíduos cumpram o seu papel necessário e de que ela vai assegurar que cada indivíduo receba aquilo de que necessita e que não mais produz. Desta forma, todos os aspectos essenciais da moralidade estão implícitos desde o começo: disciplina individual, obediência, confiança, Ética individual, responsabilidade social, e assim por diante. Isto é, também, o começo de uma tensão básica, pois agora o indivíduo esta para sempre sujeito a duas forcas distintas, a forca interna de suas próprias necessidades e desejos e a forca externa da sociedade, a qual exige que ele realize certa função social. O indivíduo, por outro lado, é liberado da necessidade de produzir certas coisas das quais ele necessita, pois elas estão agora sendo produzidas por outros. Seu grau de liberdade interna aumentou ao passo que diminuiu seu grau de liberdade externa. A organização social permitiu ao indivíduo maior liberdade interna e auto-realização as custas de um decréscimo em sua liberdade externa. No estado original de relacionamento, puramente individual, a auto- realização do indivíduo nunca se ergueu acima daquela de pura sobrevivência física, pois o esforço pela sobrevivência tomava todo o seu tempo e sua energia. Não havia qualquer desenvolvimento intelectual, espiritual ou outro igualmente intangível, pois as necessidades fisiológicas puras forcavam o indivíduo a viver num nível animal. Tampouco havia "progresso" de uma geração para a próxima, pois cada geração recomeçava sempre no mesmo nível. Isto mostra o quão social são nossos mais íntimos sentimentos e pensamentos. Tudo o que nos eleva acima de um nível animal de existência origina-se de um certo nível de organização social que, por sua vez, depende da existência de um certo nível de funcionamento moral. Podemos dizer, portanto, que a forma particular de organização de uma dada sociedade em um dado instante é uma expressão desta moralidade básica da qual ela depende. A economia depende da moralidade. Podemos ver, também, que a direção básica da evolução social é no sentido de maximizar progressivamente a liberdade interna do indivíduo, exigindo, concomitantemente, um nível de organização social mais refinado e mais delicadamente balanceado. O objetivo da sociedade dificilmente pode ser tomado como sendo apenas (ou prioritariamente) a satisfação das necessidades físicas puras dos indivíduos, pois estas já estavam mais ou menos satisfeitas no estagio mais primitivo. Sociedade não é, claramente, apenas um grupo de indivíduos que convivem, mas, sim, o conjunto dos indivíduos mais a qualidade do relacionamento existente entre eles. É, portanto, possível a existência de algo próximo de nosso estado original imaginário, mesmo dentro de grandes coletividades, se o relacionamento mutuo de confiança e outros aspectos essenciais da moralidade estiverem suficientemente ausentes. Como a existência do relacionamento é, novamente, função da moralidade básica, podemos resumir a situação da seguinte forma: Comunidades imorais e amorais, mesmo grandes, tendem a um nível de existência puramente animal, no qual cada homem esta por si só, e onde a liberdade interna tende a zero. A divisão do trabalho é uma ferramenta de organização social que representa o primeiro passo acima de um nível puramente animal de existência. Como progresso social, a divisão tende naturalmente ao desenvolvimento de perícias individuais e, portanto, a uma maior especialização. Um segundo passo básico no desenvolvimento ocorre quando o conhecimento e as habilidades necessários para a manutenção do sistema social se tornam grandes demais para serem manejadas individualmente. Ha necessidade de um segundo nível de organização para manter o primeiro. Existem, então, professores e intelectuais que se concentram na compreensão dos conhecimentos básicos e na transmissão destes de uma geração para a próxima. Existe uma percepção mais explicita da importância exercida pela qualidade do relacionamento humano necessário ao sistema. Existem aqueles cuja obrigação passa a ser o estudo e a compreensão desta moralidade e a sua transmissão para as outras gerações. Existem sacerdotes, filósofos e moralistas. Ha, finalmente, a necessidade de que certas pessoas concentrem-se na administração do processo. Estes são os juristas, os supervisores e administradores de tipos diversos. Não importa quão simplificado este esquema possa parecer, um ponto esta acima de qualquer discussão: Este nível secundário de especialização do trabalho caracteriza-se pelo fato de alguns de seus membros não mais produzirem alguma coisa diretamente. O professor, o sacerdote, o intelectual e o administrador consomem mas não produzem coisas tangíveis. O nível secundário de organização necessita, portanto, para sua manutenção, um nível mais elevado de produção econômica. A industria moderna tem provido a sociedade ferramentas poderosas para chegar a este ponto. Nas sociedades pré-industriais, porem, parecia haver uma única resposta para isto __ ou seja, a criação de uma classe que produzisse consideravelmente mais do que consumia, de modo a compensar a classe intelectual, que consumia mais do que aquilo que produzia [no campo do tangível]. E foi assim que algumas formas de escravidão ou servidão tornaram-se instituições básicas da sociedade humana. Esta aparente inevitabilidade de alguma forma de servidão involuntária e confirmada pelo fato de ter sido um traço comum a todas as sociedades antes que o nível de industrialização do século XX fosse atingido. Não ha exceções. Foi apenas no século XIX que os escravos foram libertados na América do Norte, que os servos foram libertos na Rússia e que o comercio escravista foi abolido nas Colônias Britânicas. Ainda assim, a servidão industrial vem tendo continuidade na Europa e na América do Norte através do século XX. Alguém poderia tentar argumentar que seria realmente possível eliminar o trabalho forcado na sociedade pré-industrial. E, no entanto, é um dos fatos mais conhecidos da Historia que nenhuma sociedade pré-industrial jamais o fez. Nenhum dos grandes profetas religiosos do passado, nem Moisés, nem Jesus nem Maomé, proibiu a escravidão. Talvez a existência do nível secundário de organização social seja tão dependente da escravidão que proibir escravidão fosse equivalente a proibir sociedade. Se os grandes Profetas, porem, não proibiram a escravidão, eles deram passos significativos no sentido de humanizar aquela instituição tanto quanto possível. Alem de editar varias leis menores que asseguravam bom tratamento para os escravos, Moisés garantiu-lhes alguma folga exigindo uma suspensão total to trabalho a cada sete dias. Deste ultimo principio, Jeová fez um de Seus dez mandamentos, representativos dos princípios morais mais básicos de seu sistema. Jesus enfatizou o valor intrínseco do indivíduo, ensinando que cada um é capaz de estabelecer um certo relacionamento interno com Deus, um relacionamento não condicionado pelo status social ou econômico. A manifestação visível deste relacionamento envolvia uma certa reciprocidade baseada em uma nova forma de amor (ágape). Os primeiros Cristãos consideravam este relacionamento primariamente entre indivíduos, não implicando necessariamente em mudança no status social. Assim mesmo, podemos ver, na exigência de Paulo, de que Filemon aceitasse o escravo Onesimo como irmão, uma atitude em favor dos escravos (se não em favor da escravidão) sem duvida significativamente distinta daquela usualmente encontrada na sociedade Romana. Sejam os modernos reformadores cínicos se assim o quiserem, mas os escravos, na sociedade Romana, apreciaram, indubitavelmente, a diferença. A atitude dos Cristãos brancos, senhores de escravos, em relação aos escravos negros, na América do século XIX, é mais uma ilustração da forca dos ensinamentos de Jesus de uma forma estranhamente negativa. Compreendendo que a pratica de escravização brutal sobre um colega humano era contraria ao ponto de vista Cristão sobre o homem, alguns Cristãos brancos persuadiram-se de que os negros não eram homens __ isto e, eles seriam uma espécie subumana. Isto lhes permitia escravizar negros e salvar suas consciências ao mesmo tempo. Isto explica também por que diferenças raciais superficiais eram tão importantes na visão branca da escravidão. Era a única maneira pela qual a escravidão podia ser moralmente justificada em termos Cristãos. Uma crença similar a da subhumanidade dos negros desenvolveu-se entre os colonos na Austrália com relação aos aborígenes, que eram caçados por esporte. O Islam fez da escravidão uma instituição auto- liquidante, ao encorajar a conversão de todos os homens e ao reconhecer qualquer criança nascida de um Muçulmano como um ser livre. Isto destruiu a base da escravidão hereditária e criou uma avenida para a integração de escravos libertos ou filhos de escravos na sociedade. Alem disso, na sociedade em que Maomé nasceu, as mulheres eram escravas virtuais. Elas eram compradas e vendidas tanto para o prazer sexual como para a servidão econômica. Maomé deu as mulheres, no casamento, fortes direitos, que não podiam ser facilmente ignorados pelos homens, e exigiu a sua proteção por parte dos homens. Estes poucos exemplos servem, não só para ilustrar um pouco do relacionamento entre as religiões reveladas e os aspectos econômicos da vida humana, mas, também, para dar uma idéia do papel e do propósito da religião. Os Profetas e Fundadores de religiões ensinaram aquilo que, dado o nível de tecnologia existente em suas sociedades, tendia a produzir a maior unidade social e o maior progresso possíveis, com a máxima auto- realização para o indivíduo. A vida econômica organizada de uma sociedade e edificada na divisão do trabalho. O primeiro nível desta divisão é a produção e o consumo de bens materiais, e o segundo nível é a produção de idéias e serviços necessários à manutenção do primeiro nível em um desejado grau de eficiência. A organização como um todo pressupõe a existência de uma certa moralidade envolvendo confiança mutua, vontade de trabalhar dentro do sistema e assim por diante. Uma tal organização pode existir sem qualquer tecnologia particularmente avançada, mas a tecnologia pode afetar significativamente a forma da organização, permitindo, por exemplo, a eliminação do trabalho escravo. O que leva o indivíduo a querer se especializar e aceitar seu lugar no sistema? O que lhe da a certeza de que as coisas de que ele necessita, mas não produz, lhe serão fornecidas? Qual é, em suma, a base motivacional da confiança mutua tão necessária a manutenção do sistema? É claro que diferentes respostas podem ser dadas a estas questões. Cada resposta vai determinar um tipo particular de sistema econômico, um sistema do qual pode-se corretamente dizer que é definido por esta motivação básica de sua moralidade subjacente. Vamos considerar várias bases possíveis, relacionadas com os sistemas econômicos contemporâneos. Uma possível motivação e o desejo individual de aumentar o consumo - isto é, o indivíduo consente em desempenhar seu papel porque ele deseja mais e mais bens e serviços. "Eu produzo para ganhar mais, e você faz o mesmo" é a palavra de ordem não escrita. Esta é a motivação da moralidade na qual o capitalismo contemporâneo se baseia. A produção é uma função do desejo pelo aumento de consumo. Para que o sistema funcione, é necessário que esta motivação seja universal, ou algo próximo disto. Se uma parcela significativa da população deixa de desejar aumento de consumo, o sistema está em dificuldade. Um aspecto de tal sistema é o seu dinamismo. Como desejos são potencialmente ilimitados (em oposição as necessidades, que são limitadas), não existe nenhum ponto de saturação natural ou necessário. Existe uma espiral sem fim na qual o desejo por consumo crescente leva a uma crescente produção, a qual leva, novamente, a novos desejos. O desejo por consumo é uma fagulha que vai diretamente do consumidor para o produtor e retorna ao consumidor. Ele não necessita de intermediários. Tampouco precisa o produtor- consumidor individual muita segurança formal, por parte do governo ou de outras agencias, de que outros estejam sendo levados a produzir. Ele "sabe" que eles vão produzir, porque ele sabe que eles querem consumir tanto quanto ele. Em um sistema capitalista, portanto, o papel do governo é em grande parte direcionado no sentido de assegurar que as "regras do jogo" serão respeitadas em algum modo mínimo. Nos anos recentes, países ocidentais sentiram uma necessidade crescente de controle e restrições governamentais, de forma a assegurar maior justiça econômica. (isto é, uma distribuição mais equeitativa de bens). O ponto é que a dinâmica do sistema é independente do governo, o qual aparece mais como uma agência reguladora, de várias maneiras. A capacidade do sistema econômico capitalista de funcionar com tanta independência permite que o governo pareça mais estável do que ele realmente é. Qualquer numero de crises pode ocorrer no domínio político sem que o sistema econômico seja perceptivelmente afetado. Uma antítese mais direta para a base do capitalismo do que a subversão do governo, e qualquer coisa que tenda a enfraquecer a motivação básica do sistema. "Hippies" e outros "dropouts" são vistos como uma ameaça considerável, uma vez que eles rejeitam a motivação de "consumo crescente". Pode-se ver que o temor extraordinário com relação a esta gente, geralmente inofensiva, e um reconhecimento tácito, por parte do publico, da seriedade da ameaça ao sistema representada por uma erosão de sua motivação. O outro dos grandes sistemas econômicos e o socialismo e suas variantes. A motivação que caracteriza o socialismo e similar aquela do capitalismo - exceto que a ênfase esta na satisfação das necessidades antes dos desejos. Mas este necessita de algum agente, usualmente o estado, que determina o que são necessidades. alem disso, a distribuição socialista dos bens difere da distribuição capitalista. Enquanto que esta ultima é governada primariamente pelo mercado, a primeira é governada igualmente pelo mercado e pelo estado (embora em teoria o estado devesse sumir e não devesse ser uma parte de uma sociedade socialista). No socialismo, portanto, o governo passa a ser muito mais importante para o funcionamento do sistema do que no capitalismo. Em um sistema socialista o indivíduo deve ter confiança não apenas naqueles que produzem as coisas de que ele necessita mas, também, na honestidade e na eficiência do governo como um determinador de necessidades e como uma agencia de distribuição. No capitalismo um indivíduo pode ter pouca confiança no governo e, ainda assim, Ter confiança total em que o desejo de consumo, por parte do produtor, vai motiva-lo independentemente do funcionamento do governo. Atitudes criticas com relação ao governo em sistemas econômicos socialistas são, portanto, muito menos facilmente toleradas do que em sistemas capitalistas. Confiança em e lealdade para com o governo são cruciais para o funcionamento continuado de um sistema socialista, muito mais do que no capitalismo. isto ajuda a explicar porque ideologia e muito mais importante em países socialistas. o governo deve fazer continuamente esforços para convencer o publico que ele e um honesto e eficiente agente de regulação e de distribuição, e isto implica em continuados esforços para inculcar o publico com certas atitudes filosóficas. No capitalismo, ao contrario, vemos antes o "fim da ideologia". Problemas são vistos não como filosóficos, mas como problemas "práticos" de aumentar a produção, aumentar o desejo de consumo e aumentar a eficiência de distribuição. Esta necessidade de confiança individual no governo sob o socialismo explica também, pelo menos ate certo ponto, os aspectos repressivos de muitos governos socialistas. Como o indivíduo não é mais motivado pela esperança de aumento de consumo, ele deve ser forcado a produzir se não quiser faze-lo. E se ele chega ao ponto de questionar publicamente a honestidade ou a eficiência do governo, ele deve ser tratado com rigor. As pessoas que pensam estão começando, em toda a parte, a sentir que nenhum desses sistemas básicos e adequado para o mundo em que vivemos hoje. O socialismo nasceu nos meados do século XIX, quando o escravismo e a servidão industrial eram ainda praticas generalizadas, mesmo em nações tecnologicamente avançadas. Todavia, a recente tecnologia e automação do século XX alteraram radicalmente a relação entre a quantidade de produção e a quantidade de trabalho físico necessário para a produção. Esta mudança, tendo ocorrido em um curto espaço de tempo, eliminou a necessidade de escravidão econômica. De fato, não apenas deixou de existir a necessidade de escravidão, mas o desemprego passou a ser o maior problema, tão poderosos são os novos meios de produção. Em um século fomos da escravidão para o desemprego em massa. até o termo "superprodução" tornou-se parte do nosso vocabulário econômico. Uma vez que a satisfação das necessidades básicas não é mais o problema primordial nos países com tecnologia avançadas, a verdadeira "raison d'etre" do socialismo foi em grande parte minada. Socialismo aparece mais e mais como um anacronismo, um sistema projetado primariamente para combater um problema que não mais existe. O capitalismo, porém, gerou problemas tão grandes, se não maiores que o socialismo. Como o capitalismo se alimenta do desejo continuo por aumento de consumo, o desejo de consumir deve ser artificialmente estimulado. Isto leva a manipulação do publico e a um desperdício de recursos naturais. A qualidade dos produtos tende a cair para favorecer o consumo continuado de novos itens. O crescimento passa a ser um fim em si, e a qualidade de vida é muitas vezes sacrificada em nome de alguma noção vagamente definida de "progresso". Decisões relativas ao uso dos recursos são tomadas para proveitos de curto prazo de alguns, ao invés de para o proveito de longo prazo de todos. Quando o mercado local fica impassivelmente saturado, há uma busca frenética pelos mercados estrangeiros, levando ao fenômeno do imperialismo econômico. Uma pesquisa recente, realizada pelo grupo do Clube de Roma" mostrou que se o investimento de capital, o crescimento desenfreado e a exploração indiscriminada dos recursos naturais continuarem com algo parecido com as atuais taxas exponenciais, uma grande catástrofe econômica e social e inevitável dentro do período de uma geração. O que é verdadeiramente amedrontador é que a motivação básica de nosso sistema tende a reduzir a possibilidade de que a decisão certa seja tomada a tempo. Os mitos são abundantes e estão firmemente entrincheirados: Crescimento é sempre bom e deve ser visto como um objetivo em si; o que e novo ou diferente e necessariamente melhor, e assim por diante. Ambos, capitalismo e socialismo, desenvolveram-se antes da revolução tecnológica do século XX. Ambos os sistemas tiveram que se adaptar as mudanças forjadas por esta nova tecnologia, mas cada sistema arrastou consigo certas concepções e mitos básicos que se encontravam próximos demais do coração espiritual do sistema para serem abandonados. A tecnologia tornou a base do socialismo obsoleta, e a base do capitalismo perigosa. Para mudar estes sistemas devemos mudar a motivação subjacente sobre a qual eles estão baseados. Mas que nova base oferecer? A Bahaullah propõe uma solução para este dilema. A base de nossa economia nesta nova era deveria ter duas componentes: Serviço e Cooperação. A motivação básica individual para produzir deveria ser serviço para outros. Esta motivação básica deveria suplantar tanto a motivação socialista de segurança e satisfação das necessidades como a motivação capitalista de desejo por consumo crescente. Além disso, o motivo serviço deveria expressar-se individual e coletivamente através de cooperação ao invés de competição. Indubitavelmente a motivação de serviço representa um nível mais elevado de moralidade do que as motivações básicas do socialismo ou do capitalismo. Serviço implica em um enfoque geralmente menos egoísta para a vida do que satisfação de necessidades ou satisfação de desejos. Similarmente, cooperação ao invés de competição implica em um modo menos interesseiro de relacionamento entre grupos. Com isto em vista, muitos irão, certamente, objetar que o enfoque Baha'i é muito "idealista". Sente-se, muitas vezes, que a natureza humana é basicamente egoísta e que o desejo por consumo crescente será sempre o motivo básico natural para o homem. Vamos lembrar, todavia, que a função de um sistema econômico consiste em liberar o indivíduo para maior auto-realização. No passado a falta de tecnologia colocava sérias restrições para as possíveis formas de organização social e econômica. O trabalho era visto como sendo apenas para a sobrevivência; e a maior parte das pessoas era forcada a trabalhos desagradáveis, aborrecidos ou, de outro modo, não criativos. Trabalho carregava, então, uma conotação bastante negativa. Neste referencial, o oposto de "trabalho" era "desocupação", e desocupação, previamente disponível apenas para uns poucos, tornou-se mais geralmente disponível quando os primeiros frutos da moderna tecnologia foram colhidos. Foi, então, um passo natural e fácil considerar que os frutos finais da tecnologia seriam mais e mais desocupação tornada aprazível por mais e mais consumo. Então, imperceptível mas devastadoramente, o materialismo tornou-se a filosofia e a prática subjacentes ao nosso sistema econômico e, de fato, a toda nossa vida coletiva. Embora fosse natural o materialismo ser o resultado da abundância econômica do século XX, isto não era lógicamente necessário. Há uma percepção crescente em todos os segmentos da sociedade de que este modo de vida não tornou as pessoas realmente felizes. A infelicidade comum entre pessoas jovens e abastadas, as tensões, distúrbios nervosos e a miséria, tão geralmente encontrados na sociedade de hoje, a permanente deterioração da vida familiar e da qualidade do relacionamento humano, o profundo sentimento de inutilidade que acompanha a grande maioria dos empregos na sociedade (mesmo aqueles de "alto nível") - tudo isto presta testemunho do grande fracasso do materialismo em satisfazer as necessidades mais profundas, intangíveis, do indivíduo. A rapidez da transição do escravismo e do velho modelo econômico para a nova economia de abundância e desocupação escondeu de nos o fato de que o trabalho possui uma componente intangível, espiritual, bem como uma externa, econômica. Ninguém é mais feliz do que quando esta executando um trabalho de que realmente gosta. Trabalho criativo é gratificante e necessário a auto- realização do indivíduo. A tecnologia, libertando a humanidade da necessidade de executar tarefas tediosas, estúpidas e não- criativas, oferece a possibilidade de uma sociedade na qual as pessoas trabalhem por motivos outros que a pura necessidade econômica. É a primeira vez na historia que nos defrontamos com esta possibilidade em tão larga escala. De um modo paradoxal a tecnologia, que e progresso material, nos permite perceber os valores espirituais do trabalho. Ao invés de vermos a nova abundância como liberação do trabalho, podemos vê-la como uma oportunidade de trabalhar de uma nova forma e de um ponto de vista inteiramente novo. É a liberação, não do trabalho, mas de certos tipos de trabalho que eram por demais difundidos no passado. Nos países altamente industrializados a tecnologia já criou desemprego em massa e reduziu drasticamente as horas de trabalho, tudo isto apontando para a inadequação do velho conceito de trabalho. Sem o fantástico desperdício da guerra e da competição insensata é claramente possível reduzir a componente "necessária" do trabalho muito alem do presente nível. Portanto, a motivação de trabalho como serviço é realmente reforçada pela natureza humana e pelo desejo individual de auto- realização. Ao invés de contradizer a natureza humana, esta nova base da expressão ao que há de mais profundo em todo indivíduo. Ao invés de imprática ou idealística, ela e realmente a única maneira pratica de organizar uma sociedade frente aos novos e poderosos meios de produção que a história confiou a nossas mãos. Todo o processo de evolução econômica, que começou com uma mera divisão do trabalho, milhares de anos atras, chegou a um novo estagio de maturidade no qual o trabalho elevou-se de sua função mais imediata de sobrevivência física para uma função espiritual mais elevada. Este processo de "elevação" pode ser comparado com outras áreas da vida como, por exemplo, as relações sexuais que claramente perfaziam uma função biológica no começo da evolução do homem mas que passaram, através dos anos, a serem vistas como capazes de expressar aspectos mais profundos, espirituais, da natureza humana, quando apropriadamente canalizadas. Objeção pode também advir com respeito a cooperação. As virtudes da competição tem sido exaltadas como sendo a encarnação do principio evolucionário da "sobrevivência do mais apto". Competição, diz-se, e necessária ao progresso. Ela elimina os organismos fracos e inadequados e permite que os fortes e saudáveis sobrevivam. A falha deste argumento está em que ele presume que o "critério" de sobrevivência permaneça constante através de todos os estágios da evolução. Verdade, somente os mais aptos irão sobreviver, mas qual e o critério de aptidão? Na evolução biológica houve claramente um ponto em que cérebro e intelecto passaram a representar aptidão superior a força física ou ao tamanho ("crescimento"), já que o homem sobreviveu contra criaturas que eram fisicamente mais fortes em todos os sentidos. Estamos, portanto, claramente equivocados pensando que força física e estatura ("crescimento" de novo) sejam os únicos critérios de sobrevivência. O critério de aptidão pode variar drasticamente de um estagio de evolução para outro. De fato, em um mundo que se transformou em uma "aldeia global" da noite para o dia, cooperação é claramente o único meio de sobrevivência. A competição pode ter servido como um estimulo ao progresso em certo estagio de desenvolvimento, mas atrapalha claramente o progresso agora. A evolução agora nos desafia a cooperar. A situação moderna clama por cooperação em todos os níveis: entre nações, entre raças, entre religiões, entre pessoas. Consideremos, por exemplo, o desperdício econômico que resulta da competição econômica nacionalística. Trigo, laranjas e outros produtos alimentícios desesperadamente necessários em um lugar tem sido queimados em outros. nos falamos de "superprodução" quando na realidade deveríamos estar falando de distribuição ineficiente. Mesmo uma tentativa desajeitada e claudicante como foi a Comunidade Econômica Européia provou ser um sucesso acima das expectativas (no mais das vezes cínicas) de todos, por ser baseada em cooperação ao invés de em competição. O mundo e uma "aldeia global", e tentativas de manter a economia com mercados locais artificialmente criados não vão resistir por muito tempo. Não é apenas em um nível internacional que deve existir cooperação. Mesmo uma única empresa deve ser organizada como uma parceria entre todas as partes. Desta forma, os conflitos tradicionais entre capital e trabalho desaparecem, pois então todos participam dos lucros e benefícios da empresa. De acordo com este novo conceito os princípios de serviço e cooperação não operam no vácuo. Ao contrario, eles operam no contexto de um sistema chamado "Nova Ordem Mundial" num mundo globalizado.
RUMO A UMA ECONOMIA MUNDIAL John Huddleston Os temas mais importantes na visão da economia do futuro são: (1) as economias do mundo tornar-se-ão uma economia global suprindo as necessidades material, intelectual e espiritual de toda humanidade; e (2) que a principal força derivada da economia será espiritual ou, em termos não-religiosos, ética. Desde o início da civilização até os tempos recentes a agricultura tem dominado completamente a vasta maioria das economias do mundo. A agricultura normalmente podia suprir suas necessidades locais de comida, vestuário, e proteção. Conseqüentemente, as comunidades eram largamente autônomas. Havia, assim pouco incentivo ao contato com outras comunidades. Tal tendência ao isolacionismo era reforçada por meios lerdos e ineficientes de transporte, barreiras de linguagem, e o grande risco de viajar longas distâncias mesmo quando a paz era assegurada por grandes impérios como Roma e China. O quadro geral das economias do mundo ao longo de muitos milhares de anos começou a se modificar com a Renascença e a ascensão da Europa. Durante um período de três séculos (do XV ao XVIII), a Europa estabeleceu contato com a maior parte do mundo. Tais contatos foram largamente reforçados no século XIX por sistemas melhorados de comunicação da revolução industrial, que eram rápidos e tinham capacidade aumentada para cargas volumosas e para aquelas que até então se deterioravam no caminho: o barco rápido a vela, o barco a vapor, o barco refrigerador, o telégrafo. Nas décadas seguintes, a tendência a uma economia mundial foi a integração das economias nacionais em um único sistema. Há pelo menos duas outras dimensões importantes a esse processo. A primeira é algum conhecimento de que as economias do mundo estão divididas entre extremos de pobreza e riqueza e que é do interesse de todos que a pobreza seja eliminada, e, mais ainda, que a distribuição da riqueza seja mais eqüitativa. As grandes religiões do mundo, promovendo a idéia de ser a humanidade uma grande família, têm sempre mostrado preocupação acerca dos pobres e encorajado a caridade. Inicialmente, o movimento em direção a uma sociedade igualitária estava essencialmente confinado a medidas dentro de cada nação, mas desde a segunda guerra mundial tem sido dada uma atenção crescente à necessidade de uma maior igualdade entre as nações. Os fundadores das Nações Unidas (ONU) reconheceram que uma das maiores falhas da anterior Liga das Nações foi a falta de suficiente atenção às causas básicas da guerra: nações inteiras na pobreza e a violação generalizada dos direitos humanos básicos. A terceira dimensão para a economia global em desenvolvimento é a consciência crescente de que, em termos físicos, a economia é parte integrante do ambiente natural e que haverá um custo enorme para todos se esse fato for ignorado. Os interesses pessoais têm resistido à ação prática para proteger o ambiente, e muitos foram encorajados inicialmente de que isso significava anti-crescimento e anti-desenvolvimento. O maior impulso inicial para proteger o ambiente foi dentro de comunidades nacionais, mas cada vez mais se reconhece que problemas ambientais não param em fronteiras nacionais. A evolução das economias do mundo mostra que há uma dominante tendência à sua integração em um sistema global e que esta tem sido acompanhada por crescentes imperativos espirituais com respeito à necessidade primeiro de integrar todos os povos na economia a fim de abolir a divisão causada por extremos de pobreza e riqueza, e segundo de integrá-los no sistema ecológico global. Eu sugeriria que é de vital importância que nós, individual e coletivamente, aceitemos essas tendências históricas e atuemos de modo a suavizar sua futura evolução em vez de tentar opor-se a elas. As questões econômicas importantes na agenda mundial devem incluir todas as três dimensões da economia mundial: Entre as questões relacionadas à maior integração das economias nacionais em uma verdadeira economia mundial são: Extensão do esforço para reduzir as barreiras comerciais para incluir os setores agrícola e de serviços, e o fortalecimento dos meios de estímulo às condições dos arranjos de comércio liberal. Estabilização das relações de câmbio a fim de reduzir os riscos monetários no comércio internacional, com o objetivo final de um sistema unificado de câmbio administrado por uma autoridade mundial. Maior coordenação entre as políticas nacionais monetárias e fiscais para reduzir o risco de recessão mundial, por um lado, e de inflação global, por outro. Desenvolvimento de uma lei internacional para regulamentação de corporações globais e transnacionais de modo a evitar possíveis abusos de monopólio, exploração de empregados em diferentes países, evasão a taxações de comércio e a leis ambientais, etc. Entre as questões envolvendo a redução dos extremos de riqueza e pobreza estão: - O objetivo real deve ser mesmo o de igualdade de oportunidades em lugar do de dar maior igualdade de renda a despeito do esforço? - Como assegurar melhor que continue a redução da pobreza enquanto se buscam políticas para tornar a economia mais eficiente através de meios como redução do setor público, descentralização desregulação e maior competição, taxação mais baixa e menos progressiva (todas as políticas que estão sendo buscadas em graus variados tanto em países socialistas como em capitalistas). A experiência indica que, pelo menos a curto prazo, tais políticas estão AUMENTANDO o número daqueles que são empobrecidos. - Pode o problema ser resolvida através da mudança da situação de bem-estar de forma que vise mais o benefício dos pobres, por uma maior ênfase no treinamento, por um encorajamento da dispersão da riqueza através da taxação de heranças de acordo com o recipiente em lugar do doador, maior uso do compartilhamento dos benefícios, e pela eliminação da discriminação racial e sexual no emprego? - Como podemos converter melhor o fenômeno de uma população estática, que está envelhecendo, nos países ricos em uma vantagem ao invés de uma carga? - Qual é o modelo ideal de sistema educacional, uma entrada e saída crucial de qualquer economia? Qual deve ser a conjugação de ciência, arte e ética? Que proporção da população deve ter a oportunidade de receber educação secundária e terciária? Que papel deve ter o professor na sociedade? - O que fazer acerca do comércio internacional de drogas que destrói as vidas de milhões e que aumenta enormemente os poderes dos criminosos, e ao mesmo tempo representa para muitos países pobres uma das maiores fontes de dinheiro estrangeiro para importações vitais? - O que fazer com as conseqüências econômicas da corrida armamentista e do comércio internacional de armas? Aquilo que eufemisticamemte se chama "defesa" consome ou desperdiça cerca de seis por cento da produção bruta anual, mas ao mesmo tempo dá emprego a um grande número de pessoas. Como tornar a ajuda internacional mais efetiva e atraente aos países doadores? Essa questão gera conclusões como: - Envolvimento daqueles que recebem a ajuda nos níveis básicos de escolha, planejamento e gerenciamento de seus projetos de modo a terem um verdadeiro senso de propriedade. - Maior envolvimento das mulheres. - Eliminação da corrupção em programas de ajuda, tanto nos países doadores como nos donatários. - O problema do rápido e continuado crescimento da população no terceiro mundo, que agrava faltas de comida, atrasa os esforços para redução da pobreza per capita, e representa uma grande ameaça ao ambiente do mundo. - Renovação do setor rural para melhorar o suprimento de comida e reduzir o crescimento de megalópoles faveladas. - Assegurar que os programas do Fundo Monetário Internacional (FMI) estabilize economias sem prejudicar os pobres. - Achar meios de aliviar a dívida externa dos países mais pobres sem desencorajar futuros investimentos internacionais nestes países. Entre as questões referentes à reconciliação entre uma crescente economia mundial e a necessidade de proteger e fortalecer o ambiente natural estão: - Qual a abordagem mais eficaz e menos arriscada para o problema da energia: energia nuclear, combustíveis fósseis (óleo, gás, carvão), energia hidroelétrica, recursos energéticos renováveis (vento, mar, sol), maior eficiência no uso da energia, ou uma permuta na mistura para bens e serviços no resultado final da economia de modo a reduzir a necessidade de energia? - Como tornar a agricultura e culturas tradicionais tão eficientes quanto o sistema moderno danoso ao ambiente baseado na monocultura e em fertilizantes químicos? - Como utilizar oceanos, florestas, solos e rios para o máximo benefício a longo prazo de todos? - A sociedade consumidora ocidental, com sua ênfase no uso massivo de recursos para produzir bens extravagantes e descartáveis, um modelo prático ou desejável para uma estratégia de desenvolvimento voltada para a abolição da pobreza internacional? Ao se considerarem tais questões, torna-se aparente que o que importa não se trata apenas de se mover de acordo com a maré da história. Subjacentes a qualquer abordagem à agenda econômica estão algumas questões filosóficas mais profundas, incluindo pelo menos duas concernentes a nossas percepções sobre o que significa ser um ser humano. Primeiro, devemos decidir se os humanos são apenas animais superiores com interesses essencialmente materialistas, ou se se distinguem dos animais por um lado espiritual de sua natureza que busca pelo transcendental, como é o tema da religião. Segundo, precisamos decidir se a humanidade é uma coleção de grupos lutando pelo domínio do mundo, ou se é uma família - outro tema da religião. Com respeito à natureza humana, é comum, é claro, ter uma visão pessimista da humanidade como sendo essencialmente centrada em si mesma, ambiciosa, egoísta, e violenta. Mas um momento de reflexão mostra que essa visão é parcial. Os seres humanos têm um lado espiritual de sua natureza, conforme demonstrado por ações nobres, e um instinto para o transcendental que mesmo o mais poderoso dos regimes ateus foi incapaz de suprimir em sete décadas de governo. A história deixa claro que grupos que lutam por poder são perigosos para todos. Para avançar, na verdade, para sobreviver, devemos agir como uma família. Se compreendermos que os seres humanos têm um lado espiritual de sua natureza, e que a humanidade deve ser uma família, há caminhos claros de como lidar com a agenda econômica da próxima década. Se somos em essência seres espirituais, então o produto final de uma economia devem ser aqueles bens e serviços que ajudem cada homem, mulher ou criança a desenvolver todo seu potencial físico, mental e espiritual. Isto certamente significa uma economia que enfatize as necessidades físicas básicas - comida de qualidade, vestuário, moradia, cuidados com a saúde, equipamentos de exercícios - e o cultivo da mente e do espírito - educação nas artes, ciências e ética, habilidades em ofícios e cultura nativa, apreciação da natureza. Se somos uma família, então na economia, bem como na política e nos assuntos sociais, o espírito de administração deve ser cooperativo e mutuamente sustentado. Deve-se ainda encorajar a competição e o esforço em busca de excelência, mas com o propósito de maximizar o serviço à humanidade, em lugar de mero avanço próprio. A eliminação da pobreza em todo o mundo deve ser da mais alta prioridade. Apenas o fim das guerras entre as nações já forneceria sozinho enormes recursos para tal fim. Resumindo, as oportunidades para o avanço da humanidade através do crescimento da economia mundial são imensas - maiores ainda do que aquelas decorrentes da introdução da agricultura e do advento da Revolução Industrial. Mas, para explorá-las, devem-se tomar as decisões corretas, e isso depende grandemente do sistema de valores que seguimos. John Huddleston é diretor assistente no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, D.C., EUA. Problema: O sistema agrícola mundial não é satisfatório. Solução: No mundo globalizado, devemos estabelecer um sistema descentralizado baseado primeiramente no indivíduo e na família; autoconfiança local e nacional associada a uma sofisticada interdependência nos níveis global, nacional e local.
AGRICULTURA: UM PRINCÍPIO FUNDAMENTAL Paul Hanley Um Sumário Parcial O desenvolvimento apropriado da agricultura é um princípio condutor fundamental que conduz ao avanço da humanidade e à reconstrução do mundo. A base de uma comunidade é a agricultura e de fato a classe agricultora excede as outras em importância pelo serviço prestado. Há pelo menos três razões para enfatizar a agricultura como a fundação da ordem social. A primeira é assegurar que todos disponham de alimentação adequada ao seu perfeito bem-estar físico e mental. A segunda, todos, e não somente o produtor, têm um grande interesse econômico no sucesso do sistema agrícola. Em nações industrializadas, ainda que apenas 2% de suas populações estejam engajadas no cultivo propriamente dito, cerca de 25% delas trabalham no sistema agrícola lidando com produção e venda de máquinas e implementos, marketing, transporte, beneficiamento e comercialização de alimentos, divulgação, administração financeira e assim por diante. Em países do terceiro mundo, a maior parte das pessoas é diretamente empregada no cultivo. A terceira, a comida tem um tremendo significado cultural. Nossas relações humanas mais básicas - a mãe e seu bebê, pais e filhos, reuniões de família e amigos, comemorações e festivais nacionais, religiosos ou étnicos - envolvem comida. Pelo caminho inverso, porque todos nós, devido à necessidade de comer, podemos entender e nos compadecermos com a fome. Comida e agricultura, portanto, têm um profundo poder simbólico, que pode ser uma força unificadora. No mundo globalizado é necessário estabelecer um sistema descentralizado baseado primeiramente no indivíduo e na família; autoconfiança local e nacional associada a uma sofisticada interdependência nos níveis global, nacional e local. Um sistema que administre os recursos em benefício de toda a comunidade ao invés de uma luta para obter riqueza para indivíduos, classes dominantes ou monopólios estatais. A reconstrução das vilas envolve o estabelecimento de uma instituição comunitária central, chamada "Depósito Geral", dirigida por um conselho de fidecomícios democraticamente eleitos e responsáveis pela alocação de recursos e serviços. O Depósito combina funções de regulação econômica, empréstimo e serviço social. Sua primeira responsabilidade é estabilizar a economia rural. Isso garante uma renda mínima para os fazendeiros sob qualquer condição de colheita. Os fundos excedentes são então encaminhados para o tesouro nacional, presumivelmente para ser aplicado de forma semelhante no conjunto de comunidades. Embora rudimentar, esse esquema estabelece princípios necessários ao desenvolvimento agrícola e comunitário: responsabilidade social para uma produção assegurada; controle e regulação democráticos dos recursos da comunidade, especialmente crédito; suporte comunitário para iniciativas individuais ou coletivas. Ele fornece meios de regulação social ou fidecomício sem imposição sobre empreendimentos arriscados enquanto enfatiza o princípio de autoconfiança da comunidade, na base da economia de massa. O triplo relacionamento entre homens e a natureza dá ao nosso trabalho com a terra um caráter de devoção. Isso requer uma nova abordagem para a agricultura, que é o principal ponto de encontro entre a humanidade e a natureza. A idéia de agricultura como uma forma de devoção é sugerida na palavra AGRI`- CULTURA. AGRICULTURA, literalmente, significa o cultivo dos campos, mas por trás da palavra CULTURA está o latim CULTUS e o sânscrito KWEL, que significa habitar, cuidar de, e adorar. Somos guiados pela palavra AGRICULTURA a um profundo conceito religioso, baseado na própria linguagem, que tem a ver com a agricultura implicar habitar a terra e cuidar dela como um ato de devoção. A compreensão de que nosso trabalho é devoção traz consigo a responsabilidade de encontrar uma qualidade apropriada de cuidado em nossos esforços. Nosso trabalho-devoção se torna mais digno à medida em que assumimos nossa responsabilidade para com a terra e os outros pela implementação de uma sólida união num sistema justo e sustentável de produção de alimentos. A tarefa de construir uma nova ordem econômica e social está associada à reestruturação da agricultura para assegurar viabilidade econômica a produtores em comunidades autoconfiantes, que são células vitais num organismo global baseado na interdependência cooperativa. Nós devemos dar um cunho espiritual ao nosso trabalho agrícola, para elevá-lo à condição de devoção, e, nesse processo, transformar nossas próprias vidas em correspondência com a vontade de Deus, revelada pela natureza e as Escrituras. Devemos conduzir nossas vidas individualmente e coletivamente de tal forma a garantir uma sociedade sustentável equilibrando os desenvolvimentos espiritual e técnico. Devemos ter uma visão de nossa conexão com a Terra num estado inspirado no qual estejamos fortalecidos para assumirmos total responsabilidade pela formação de uma sociedade em contínuo desenvolvimento. Paul Hanley é um colunista e autor ambiental da Saakatoon Star Phoenix. Suas publicações incluem Cuidados com a Terra - Agricultura Ecológica em Saskatchevan"(1980). Esta sumário parcial foi extraído por Farhang Sefidvash do arquivo de mesmo título publicado em Journal of Bahai Studies, vol.3, no. 1, 1991 |