Apresentação do RCGG no Fórum Social Mundial |
O Fórum Social Mundial será um novo espaço internacional para a reflexão e a organização de todos os que se contrapõem às políticas neoliberais e estão construindo alternativas para priorizar o desenvolvimento humano e a superação da dominação dos mercados em cada país e nas relações internacionais. O Fórum Social Mundial será realizado todos os anos, a partir de 2001, simultaneamente ao Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, Suíça, sempre no final de janeiro. Esse Fórum Econômico tem cumprido, desde 1971, papel estratégico na formulação do pensamento dos que promovem e defendem as políticas neoliberais em todo o mundo. Sua base organizacional é uma fundação suíça que funciona como consultora da ONU e é financiada por mais de 1.000 empresas multinacionais. O espaço criado pelo Fórum Social Mundial estará voltado para a formulação de alternativas, para a troca de experiências e para a construção de articulações orgânicas, táticas e estratégicas, entre ONGs (Organizações Não Governamentais), movimentos sociais, sindicatos, associações e entidades religiosas, em cada país e em nível continental e mundial. São essas organizações que enfrentarão o desafio de promover e financiar o Fórum Social Mundial. O resultado que dele se espera é a identificação de caminhos e propostas mobilizadoras para manifestações e ações concretas da sociedade civil.
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Fala no Seminário de UNESCO do Fórum Social Mundial, 25-30 de Janeiro 2001 em Porto Alegre.
O Papel
das Organizações Não-Governamentais Farhang
Sefidvash
O tema do Fórum é "Um outro Mundo é possível?". A resposta é: Sim, é possível, mas ,para isso, temos que construir este Novo Mundo. Construir através de implementação de um novo Sistema de Valores. Um sistema de valores universais adequado para um mundo globalizado. O termo globalização está sendo usado com sentidos variados. Por isso, para iniciar, preciso explicar o meu entendimento de globalização que trata-se de um conceito mais amplo. Origem e Problema da Globalização A humanidade, através do processo histórico de evolução, evoluiu da condição de famílias isoladas para tribos, que posteriormente se transformaram em cidades-estado e finalmente chegou a formação das nações. No presente o mundo alcançou tal estado de interdependência que é chamado de "aldeia global", na qual todas as nações e povos tornaram-se altamente interdependentes. O fenômeno da globalização é o resultado de um processo originado pela crescente mobilidade das pessoas e pela rapidez dos meios de comunicação, alcançando esse estado de total interdependência. Na verdade, o fenômeno da globalização envolve todos os aspectos de nossas vidas, incluindo o social, cultural e religioso e não apenas o aspecto econômico, que é normalmente discutido. Vivemos em um novo mundo no contexto de uma nova realidade, enquanto a maioria das pessoas ainda pensam e agem de acordo com velhos paradigmas. Elas continuam tentando aplicar soluções motivadas pelos interesses de certos grupos ou nações num mundo que requer uma visão global. Por exemplo, tentamos usar o conceito obsoleto de "competição" para o progresso em um mundo no qual apenas a "cooperação" pode garantir a prosperidade das nações. Isso decorre do fato de que mesmo as nações industrializadas, ao mesmo tempo em que competem entre si, são clientes umas das outras. A destruição econômica de qualquer uma delas significaria a perda de mercado para elas próprias, e por isso, necessitam cooperar entre si a fim de evitar tal situação. Um exemplo é o recente apoio econômico dos Estados Unidos ao Japão. Esses países são também aliados entre si contra aqueles com ideologias diferentes. As nações ricas não têm como suportar a pobreza absoluta do restante do mundo, uma vez que a sua segurança internacional depende de um certo nível de bem-estar dos demais povos. A globalização é aqui entendida como o processo histórico de crescente interdependência, entre os povos do mundo. Esse processo inclui a globalização econômica, mas não pode ser reduzido a esta, também envolve aspecto social, cultural e religioso. Globalização deve incluir, em igual grau de importância, dimensões tais como: a preservação e valorização da diversidade cultural e étnica; o intercâmbio científico; a cooperação social; o acesso universal à educação de qualidade, à participação cidadã, à saúde, ao emprego, a superação de preconceitos de raça, credo e nacionalidade; a compreensão ética do destino comum de toda humanidade; os esforços em prol da governança global; a garantia da justiça social; o estabelecimento de sistemas internacionais de leis e tribunais que garantam o respeito aos direitos humanos, a preservação ambiental e outras questões que não se restringem às fronteiras dos países. Portanto, o problema que enfrentamos não é o advento da globalização, mas o fato de não sabermos como viver e lidar com nossos assuntos sob essa nova realidade. Ao contrário da situação atual, a globalização, que surgiu em decorrência do rápido desenvolvimento dos sistemas de comunicação e transporte, pode ser considerada uma oportunidade para os povos do mundo se unirem e harmonizarem seus interesses no intuito de que todos se beneficiem ao máximo dos recursos materiais e culturais do planeta. Assim sendo, as discussões sobre a ordem mundial têm grande relevância para todos que se preocupam com o futuro da humanidade e desejam que a globalização não se restrinja simplesmente a acordos econômicos que beneficiam somente aos poderosos. Sistemas Econômicos e Sistema de Valores Há uma idéia entre algumas pessoas que economia e moralidade não têm qualquer relação. Já tem sido comprovado que isto não é verdadeiro. A humanidade possui a tecnologia e os recursos para alimentar e prover um padrão de vida adequado a todos que vivem na Terra. A pobreza é conseqüência de falta de justiça social que por si é devido a um inadequado sistema de valores baseado na ganância e ausência de cooperação que leva a uma distribuição desigual dos recursos. O sistema capitalista se alimenta do contínuo desejo de consumo crescente; por isto, o desejo de consumir tem que ser artificialmente estimulado. Isso leva à manipulação do público e ao esgotamento dos recursos naturais. A qualidade dos produtos tende a declinar no intuito de se fomentar o consumo contínuo de novos itens. O crescimento torna-se um fim em si mesmo, e a qualidade de vida é freqüentemente sacrificada em nome de uma noção vagamente definida de progresso. As decisões relacionadas ao uso dos recursos são tomadas em benefício de alguns poucos a curto prazo, ao invés do benefício de todos a longo prazo. A fim de modificar essa situação, precisamos mudar a motivação na qual o sistema de economia se baseia. Mas que nova base podemos propor? A base de novo sistema econômica deve ser : serviço e cooperação. A motivação básica do indivíduo para produzir deve ser o serviço aos outros, satisfazendo tanto a motivação socialista de segurança e satisfação de necessidades, quanto a motivação capitalista do desejo de aumentar o consumo. Mais ainda, a motivação do serviço deve expressar-se individual e coletivamente através da cooperação, ao invés da competição. Sem dúvida, a motivação do serviço representa um nível mais elevado de moralidade que a motivação básica do capitalismo e do socialismo. Serviço implica uma abordagem menos egoísta da vida de que a satisfação de necessidades ou satisfação de desejos. Do mesmo modo, cooperação implica em uma forma menos egoísta de relacionamento entre grupos. Diz-se freqüentemente que a natureza humana é basicamente egoísta e que o desejo de consumo crescente será sempre a motivação básica natural para o homem. Recordemos, entretanto, que a função de um sistema econômico é liberar o indivíduo para uma maior auto-realização. No passado, a falta de tecnologias colocou sérias restrições nas formas possíveis de organização social e econômica. A motivação do trabalho como serviço é, na realidade, reforçada pela natureza humana e pelo desejo de auto-realização do indivíduo. Longe de contradizer a natureza humana, essa nova base traz à tona a mais profunda motivação que existe em cada pessoa. Longe de ser impraticável ou idealística, é a única forma prática de se organizar a sociedade, face aos novos e poderosos meios de produção que a história confiou em nossas mãos. De fato, em um mundo que se transformou numa aldeia global, cooperação é o único meio de sobrevivência. A competição pode ter servido como um estímulo ao progresso em algum estágio de desenvolvimento no passado , mas claramente prejudica o progresso agora. A evolução agora nos desafia a cooperar. A Necessidade de um Novo Sistema de Valores Precisamos adotar um sistema de valores baseado nos valores humanos e na Regra Áurea ensinada pelas tradições espirituais da humanidade. Precisamos expandir esses valores do nível individual para o nível global. As organizações não-governamentais (ONGs) precisam ajudar a construir uma nova consciência em cada indivíduo para criar uma nova cultura, baseada na unidade na diversidade. Tal sistema de valores deve colocar especial ênfase no seguintes conceitos:
A criação de uma consciência de que o serviço à humanidade é o propósito da vida humana. Esse nobre conceito é compatível com a natureza humana e serve como base para o futuro sistema econômico, no qual a produção/consumo (base do atual sistema econômico), não mais serve aos melhores interesses da humanidade. Consulta como Meio de Implementação A implementação de um sistema de valores deve se dar através de um método especial de "consulta em grupo" como método da resolução pacífica de conflitos. [ A descrição desse método não cabe nesta apresentação]. Seu objetivo é encontrar a verdade sobre o assunto em discussão e suas implicações são no interesse da comunidade em geral. O padrão de busca da verdade no processo de consulta está muito além dos padrões de negociação e acomodação que são atualmente costumeiros. Significa alcançar um consenso sobre a verdade numa dada situação e a escolha mais sábia de ação entre as opções existentes num dado momento. Consulta em grupo é a expressão operacional da justiça nos assuntos humanos. Ela é tão vital para o sucesso dos empreendimentos coletivos que deve constituir uma característica básica de uma estratégia viável de desenvolvimento social e econômico. O Papel da UNESCO e das Organizações Não-Governamentais - Uma Proposta O ano 2000 testemunhou três eventos mundiais históricos promovidos pelas Nações Unidas, nos quais as organizações não-governamentais, a sociedade civil, os líderes de governo do mundo e os líderes espirituais da humanidade reuniram-se na sede da ONU, em Nova York, para consultar sobre o bem-estar da humanidade. Esses eventos podem ser considerados o começo de um processo de consulta em grupo que poderá finalmente levar à adoção de um sistema de valores global. A UNESCO pode assumir o papel principal no planejamento e execução de tal programa global. As organizações não-governamentais terão um papel muito importante em implementar o sistema de valores em suas organizações e nas escolas ao redor do mundo. O sucesso de tal programa requer a participação universal. Envolve o reconhecimento incondicional da unidade da humanidade, um compromisso com o estabelecimento da justiça como o princípio organizador da sociedade. Requer um repensar radical sobre a maioria dos conceitos e pressupostos que atualmente governam a vida social e econômica. O processo de evolução social alcançou um ponto de mutação no qual o mundo é impelido a um novo estágio de desenvolvimento baseado na justiça e na unidade na diversidade. |